Antes de mais, não tenho palavras para demonstrar o meu reconhecimento por quem esperou que eu voltasse a escrever neste espaço, apesar do hiato decorrido. A todos o meu penhoradíssimo agradecimento.
Muita coisa aconteceu, e muita coisa teria agora para dizer, mas como tenciono incrementar uma mais sadia regularidade na escrita, até por questões de sanidade mental, apenas escreverei para já o fundamental e inadiável.
Como alguns já saberão, estou à espera do meu segundo filho; em princípio será um rapaz, cujo nome não está ainda decidido (a propósito, aceito sugestões, sem contudo me comprometer a segui-las), e que entrou há dias na sua décima terceira semana de gestação. Devido a uma ligeira confusão da médica que segue a gravidez, a ecografia que se encontrava prevista para algures entre a décima primeira e a décima segunda semanas de gravidez, acabou por se realizar à décima. Foi assim, pois, que vi o meu filho com dez semanas, a idade com que os defensores da liberalização do aborto acham razoável eliminar uma vida, a colocar as mãozinhas na cara e a procurar a melhor posição no ventre materno.
O actual debate a que assistimos na praça publica a propósito da dita liberalização de algo a que eufemisticamente se chama "interrupção", como se pudesse haver mais tarde um reatamento da vida, tem-nos mostrado o quão falha de valores se tornou grande parte da sociedade portuguesa, eminentemente rendida aos capitalistas valores do consumismo e da progressão, não obstante o "sim" ser principalmente defendido por uma esquerda que se tem por "moderna". Há um ruído enorme à volta dos direitos de opção da mulher, mas um ensurdecedor silencio sobre os direitos do bébé que, por não ter possibilidade de se exprimir ou defender, acaba por ser eliminado liminarmente precisamente pela unica pessoa no mundo em que poderia confiar para a sua protecção.
Apesar disso, é evidente que a mulher (e o homem, já agora) tem direito a optar por ter ou não um filho - só que essa opção, manda o bom senso, deve ser tomada a montante, ie, antes da concepção. Não existirá, no cantinho mais recôndito deste país, e pesem embora todas as deficiências acumuladas do nosso sistema educativo ao nível da educação sexual, uma unica alma adulta, ou em idade de procriar, que desconheça que, caso tenha relações, pode vir a engravidar. Em aparente desorientação ou desespero de causa, invoca-se agora insistentemente a falibilidade dos métodos contraceptivos; de repente, sistemas que nos eram apresentados pelos seus fabricantes como possuindo taxas de deficiência meramente residuais, aparecem agora como toscas e primárias formas de protecção que falham em mais de metade dos casos.
Sejamos sérios, amigos: por muito que haja quem o tente maquilhar, existe uma vida humana em plena formação a partir da data da sua concepção, e essa vida tem que ser protegida. Os nossos actos têm que ser consequentes, e temos que nos responsabilizar por eles. O curioso é que a maior parte das pessoas que agora fala da liberdade "da mulher" para não assumir as consequencias de algo que fez voluntariamente - sim, porque em caso de violação, ou outras situações anómalas, já existe o devido enquadramento jurídico - sabe condenar veementemente, por exemplo, a irresponsabilidade e imoralidade de quem aceitou um cachorrinho "porque era muito fofinho", mas que mais tarde, perdido o encanto e roídos alguns sofás, o foi abandonar numa qualquer zona industrial.
Outros aspectos desta proposta de liberalização que servem aos seus defensores para justificar a mesma, prendem-se com o actual enquadramento penal existente para uma mãe que faz um aborto. É um facto que a lei em vigor prevê uma pena de até três anos de prisão efectiva para quem praticar esse ilícito, mas a verdade é que os juízes perceberam desde logo o espírito da lei, e nunca uma mulher foi presa por ter feito um aborto em Portugal. Afirmar o contrário, em imagens choque tão queridas ao Bloco de Esquerda e ao Partido Socialista que vai a seu reboque, é uma desonestidade e uma manipulação grosseira da verdade que em nada abona quanto à idoneidade de quem a pratica. Aliás, tanto quanto se sabe, as mulheres que até hoje têm sido indiciadas pela prática de aborto não o são por iniciativa isolada do Ministério Publico, antes surgindo como réus na sequência das investigações efectuadas por aquele relativamente a clínicas "de vão de escada", estas sim, merecedoras de efectiva punição. E a exposição publica que esta "moderna" esquerda tanto condena, apenas se deve ao folclore que a mesma vai fazer para as portas dos tribunais, chamando a atenção massiva dos
media para uma pessoa que, noutra situação, se apresentaria discretamente a julgamento e sairia absolvida no espírito da lei.
Isto dito, não se pense que eu, e a maioria - arriscaria a quase totalidade - dos defensores do "não" concorda com a actual legislação relativamente a quem aborta. Mas existem, e os ultimos dias têm-nos demonstrado isso, meios efectivos de transformar a sanção aplicável, sem no entanto promover a liberalização total do aborto. Mas, no seu pânico de poder perder terreno e até o referendo, o Primeiro Ministro José Sócrates, no seu tom arrogante de criança mimada, ja nos veio dizer que, caso vença o "não", o Governo não se encontra disponível para alterar a actual lei, mesmo que seja no objectivo interesse da população. Um típico caso de amuo que mostra bem que, para este Governo, o referendo apenas constitui um medir de forças políticas, e a situação de quem aborta pouco interessa.
Muito mais haveria aqui a dizer, designadamente a discutibilidade de um aborto a pedido, sem mais explicações, poder ser feito num hospital público, passando à frente, por exemplo, de uma operação de cancro ou de transplante (muito) anteriormente agendada. Também se pergunta onde ficou a coerência, quando vemos pessoas a defender que uma mulher com uma gravidez de dez semanas pode abortar livremente, e é até ajudada a fazê-lo pelo Estado, enquanto que a que tem uma gravidez de dez semanas e um dia, para além de ter de procurar outros meios (ilegais) para o fazer, pratica um crime punível com os "famosos" três anos de prisão. Também merecedora de atenção especial é a proposta de se legalizar algo que não se consegue (ou não se quer?) combater doutra forma, o que nos abriria um precedente que nos permitiria legalizar em seguida a droga, a prostituição e, no limite, os furtos ou assassinatos. Não são, pois, todas estas coisas que sempre existirão, pese embora a legislação contraria?
Sem comentários, pelo menos da minha parte, ficam as declarações de Lídia Jorge em pleno directo na RTP, chamando ao bébé no ventre materno, "coisa humana". Mostra o nível, afere os valores...
Muito mais haveria a dizer, é verdade, mas ficará para outra altura. Hoje o meu filho mais velho, o Lourenço, faz seis anos e é altura de festejar a sua presença neste mundo, perto de mim.