2007/10/19

Lá como cá

Como alguns saberão, não sou militante, nem sequer simpatizante, do PSD, mas factos recentes passados naquele partido deixaram-me particularmente incomodado, com uma sensação de dejá vu, como se estivesse a assistir ao remake de um mau filme.

A história é pública e conhecida: Menezes discorda da linha da direcção do seu partido traçada por Mendes, concorre contra ele em eleições directas em que disputam a liderança do partido, e ganha. A ignomínia começa no momento seguinte: das mais abjectas tocas surgem os especialistas em contorcionismo, que até ao dia antes eram mendistas convictos, e que, de um momento para o outro, se transfiguram em menezistas "desde o dia em que nasceram". Em alguns casos até, por ser demasiado descarado o oportunismo e a colagem, recorrem à pífia metáfora de não serem como "o dono da bola, que ao perder leva a bola para casa", ou outra coisa parecida e igualmente cretina. Conseguem assim, duma forma que dificilmente conseguirei adjectivar (se bem que me baile na cabeça a expressão, ainda assim benévola, "esperteza saloia"), tentar passar a peregrina ideia de que são indispensáveis ao partido, e de que fazem o especial favor de, apesar de ser algo que os deveria horrorizar, esquecer as diferenças e aceitar um qualquer "tachito" na nova direcção. Disse "tentar" e friso, porque, na verdade, tudo o que conseguem passar para fora é a imagem canina e ignóbil de quem, por um penacho qualquer, está disposto a engolir qualquer ponta de dignidade.

Depois há outros, aqueles que cometeram erros de avaliação graves, principalmente em pessoas com as suas auto apregoadas capacidades de análise e antecipação, como o ubíquo e polivalente "professor Marcelo" (parece nome artistíco de um qualquer entertainer brasileiro), ou o especialista em nos informar, avant la lettre, sobre tudo o que nos vai acontecer, incluindo a ementa do jantar, Pacheco Pereira. Do primeiro, Marcelo, não tenho ouvido grandes justificações, e parece-me que, para além dos seus acrobáticos comentários televisivos dominicais, a roçar o óbvio primário, se remeteu a um prudente silêncio, que deverá utilizar para meditar sobre as "barracas" que os excessos de confiança (e egos inchados) nos proporcionam, bem como para calibrar melhor as suas capacidades de cartomante. Já Pacheco Pereira não consegue, por mais que tente, disfarçar a azia provocada e destila bílis por todo o lado: mesmo antes de Menezes ter alcançado a vitória, já JPP punha as suas capacidades adivinhatórias ao nosso serviço para nos informar de que com ele surgiria aí de novo o fantasma do "populismo" - expressão, aliás, que, em crónica na revista "Sábado", nos faz o favor de informar que, se não é da sua invenção, anda lá perto, mas que será a ele, JPP, que inequivocamente deveremos agradecer a contribuição desinteressada de ter trazido a sua utilização para o léxico político cá do burgo. Depois da vitória de Menezes, a infantilidade tornou-se risível e merecedora de comiseração: desde concordar e andar por todo o lado a chamar a atenção para o discurso de Jardim no Congresso, algo inédito para quem conhece minimamente os antecedentes da relação entre os dois polémicos militantes, até à encenação de colocar os símbolos do seu partido em situação invertida, tentando com tal indigno procedimento chamar a atenção da direcção do seu partido, para que esta lhe fizesse o favor de lhe colocar, no mínimo, um processo disciplinar, e o ajudasse a atingir o ambicionado estatuto de vítima pelo qual suspira. Mas nem nisso o homem tem sorte, e tudo o que conseguiu foi que tal fosse intentado, sim, mas por um anónimo militante de Braga, o que é manifestamente insuficiente para quem tem tão altas pretensões de protagonismo.

Em suma, no PSD parece-me que existem os que levam a bola para casa quando perdem, os que perdem mas não levam a bola para casa (e passam rapidamente para o lado de quem ganha), e ainda os que, vendo que estão a perder, tentam escaqueirar a bola, a baliza, os adversários, tudo o que aparecer à frente, no mais puro estilo "se não for para mim, não é para ninguém". Mas, infelizmente, não é só no PSD que tal acontece...

2007/10/15

Olha, boa ideia! (*)


Duchamp (acima), Man Ray e Picabia na Tate Modern, lá para Fevereiro do ano que vem.

(*): Como diz o Lourenço quando nos quer convencer de alguma coisa.

O Algarve e eu

A minha relação com a província mais a sul do país é antiga, e assemelha-se muito a um romance de cordel, com amores, zangas, amuos, e toda a demais panóplia de situações comuns às grandes paixões; metade da minha família é algarvia, não "das praias" mas "da serra", como se usa na região, e isso fez-me começar a visitar a zona quase desde o berço, numa altura em que as torres por todo o lado ainda eram um projecto, infelizmente já não muito distante. Tudo era simples, como se é simples quando se é criança ou pré-adolescente, e vivia sistematicamente as minhas férias estivais à beira mar algarvia, sem mais preocupações do que guardar o tempo das digestões antes de mais um banho. Depois, veio a fase da adolescência, das férias sozinho, ou pelo menos já sem os pais. O Algarve manteve-se o destino regular, mais por hábito do que por qualquer outro motivo, mas o gosto pela terra começou a esbater-se na proporção inversa da quantidade de pessoas que demandavam aquelas terras, lusos ou etrangeiros. Foi o tempo da construção desenfreada, das lojecas de souvenirs por todo o lado, dos restaurantes com péssima qualidade de comida e serviços e altos preços, das discotecas onde se tinha que ir para se ser alguém, e depois gente, gente demais por todo o lado... Enfim, demasiados condicionamentos para a minha veia alternativa, e assim acabei por colocar uma grande cruz no mapa sobre o Algarve. Fim do primeiro acto, cai o pano.

Mal sabia então que, passados alguns anos, iria aceitar um emprego em que teria que me deslocar praticamente todas as semanas ao Algarve, com estadia de alguns dias. Pensei desde logo que dificilmente me manteria muito tempo em funções em tal cenário mas, como de costume, os factos surpreederam-me: as idas ao Algarve fora da época estival fizeram-me olhar para a terra com outros olhos, e até as ruas carregadas de lojas de souvenirs e marroquinaria, que anteriormente me pareciam descaracterizar as terras, passaram a concorrer, aos meus olhos, para o novo aspecto típico do Algarve, com o seu quê de kitsch. Voltei a apreciar a terra, depois de muitos anos, mudando apenas a perspectiva estética com que olhava para ela. E agora, é a nostalgia que me guia nas viagens ao Algarve.

Epílogo: esta semana voltei ao Algarve, em lazer. Fui para um desses hotéis de apartamentos, de sistema "tudo incluído", que tanto facilitam a vida das pessoas, principalmente a de quem tem filhos. Vim de lá completamente reconciliado com o Algarve, mesmo com as suas partes mais "plásticas", mas com uma nova embirração de estimação - ou melhor, não é nova mas reacendeu-se. Os turistas estrangeiros que nos visitam, sempre com um ar de sobranceria como se estivessem a visitar uma reserva indígena, mas que não passam, em mais de 90% dos casos, de perfeitos selvagens, com níveis de educação comparáveis aos dos primatas do Zoo. Usando o tal sistema "tudo incluído" pedem coisas que não consumirão e que deixam intocadas em cima das mesas, atropelam-se, e a nós, para atafulhar alarvemente os pratos de comida, deixam as suas pestinhas de 4 e 5 anos andarem livremente sem vigilância, a fazerem todo o tipo de asneiras e a colocarem-se, a elas próprias, em situações bem arriscadas. Enfim, a lista seria longa, e acredito que alguns dos que me lêem já conhecem o estilo; os ruidosos espanhóis, principalmente, mas também bastantes ingleses com formação de aborígene. E ainda sentimos nós alguma preocupação relativamente àquilo que de nós é dito lá fora. Tem tudo a ver com o nível de civismo de quem escreve ou fala. Para mim, ingleses javardos, como os que vi, virem dizer que Portugal é isto ou aquilo, equivale a ouvir Mugabe dizer que a Birmânia é uma ditadura. Credibilidade, ou a sua ausência, só isso.