Irónicas, as coisas; ainda de manhã falava sobre problemas de carácter e de postura em forças partidárias opostas à minha, e eis que ao almoço voz amiga me alerta para as
notícias, que dão conta da próxima desfiliação de cerca de trinta pessoas, no partido e no distrito em que tenho responsabilidades dirigentes. Conhececendo as pessoas envolvidas, não posso dizer que tenha sido grande a minha admiração; fiquei, outrosim, admirado com a dimensão da manobra, já que os seus promotores afirmavam, há já algum tempo, que seriam 120, no mínimo, os dissidentes nesta acção, que se queria mediática. Mas, mais do que dissecar as motivações de quem dizia professar determinada ideologia, e que no momento a seguir assume estratégias para atingir o único partido que as defende, interessa personalizar um pouco o caso, pois só assim poderemos perceber o que está, realmente, em causa.
Carlos Dantas, último presidente da Comissão Política Distrital de Setúbal, que cessou funções em Abril, e meu amigo pessoal, não obstante profundas discordâncias que com ele mantenho no campo partidário, declarou aos
media que
«não compreendo que não haja rotatividade dos deputados do CDS/PP na Assembleia da República, tal como acontece com o Bloco de Esquerda». Deixando de lado a embaraçosa comparação com o Bloco (pelos vistos, isto é guerra em que não se pugna pela seriedade da argumentação), faltou dizer que Setúbal elegeu um deputado, o meu querido amigo Nuno Magalhães, e que o segundo na lista era precisamente o Dr. Carlos Dantas. Em aritmética simples, a rotatividade anunciada apenas iria beneficiar directamente o reclamante, ficando por provar os benefícios que tal pudesse trazer aos militantes ou à população do distrito.
Existem mais declarações avulsas, todas elas resumíveis no descontentamento com a ausência de colocações para
boys e
girls (não é só na canção dos Blur ou nos outros partidos que os há) de Setúbal e arredores nos lugares a que se acham com direito. No entanto, e salvo a existência de eventuais raras excepções (não sei exactamente quem são estes trinta, e duvido que a maior parte deles tenha alguma vez estado presente para o partido em mais do que um jantar de campanha), é curioso notar a desfaçatez de quem assim reclama direitos, sem ter cumprido, já não digo deveres, mas as mais elementares noções de lealdade. Com efeito, as pessoas que agora se queixam, votaram contra Telmo Correia e a favor de Ribeiro e Castro, numa recente divisão do partido, e com isso alcandoraram-se a lugares de relevo na direcção do penúltimo líder. Mais, patearam, e vi-o eu com os meus olhos, intervenções de quem defendia a candidatura de Telmo, como mais tarde o fizeram, em Torres Novas, a quem era adepto da moção de João Almeida. Para os mais distraídos, isto significa que estiveram sistematicamente contra as candidaturas mais próximas de Paulo Portas, pelo menos enquanto Ribeiro e Castro parecia manter o controle do partido. No entanto, quando Portas anunciou a sua intenção de desafiar Ribeiro e Castro em directas, e se percebeu que o partido iria mudar, em três tempos (tantos quantos o galo cantou) renegaram Castro e passaram a anunciar, a quem os quisesse ouvir, a sua devoção a Portas desde o berço. Foi ingenuidade, pensarão agora, pensar que ninguém teria reparado no seu sinuoso percurso, e que este desapareceria por artes mágicas; mas houve outros, que fizeram a travessia do deserto com o partido, e que esperavam também o momento da justiça, e esses mostraram aos agora demissionários o quão perigoso é acreditarmos única e exclusivamente na nossa inteligência, subestimando a alheia.
Como corolário, soube, de forma privada, que muitos desses demissionários não pretendem afastar-se da política, equacionando alguns a filiação no PSD, e outros até no PS - ou seja, de forma cínica, em partidos que podem mais facilmente garantir lugares do que um partido pequeno, mas de ideais, como o CDS.
So much para as ideologias. Mas ainda alguém acreditava em almoços grátis?
P.S.: Depois de escrever o desabafo supra, pesquisei um pouco mais na net para tentar perceber o que afinal não tem muito que perceber, e deparei com
nova notícia sobre o assunto, desta vez no "Diário Digital": nesta, Tiago Cabanas Alves, um jovem barreirense com uma carreira tão curta como meteórica dentro do partido, ainda que com alguns sobressaltos, possivelmente fruto da juventude e inexperiência, faz-nos o favor de "anunciar o fim do partido naquele distrito (Setúbal)". Agradecemos, naturalmente, a informação, mas pensamos que ela peca por desconhecimento de causa, desculpável a quem tão superficialmente tocou o partido, e dele saíu com tanta mágoa e desilusão. O partido já cá estava muito antes de chegarem estes novos messias, já sobreviveu a piores ataques (apesar de quem o ataca pensar sempre, na sua imodéstia, que o feriu de morte), e certamente sobreviverá, mesmo a nível local, a algo que dificilmente poderá ser condiderado algo mais do que um mero amuo. Menos surpreendido fiquei com a admissão de que "alguns dos demissionários possam aderir a outros partidos no futuro". A previsibilidade desta gente é algo de absolutamente tocante.