Os últimos dias deste nosso cantinho trouxeram ao conhecimento da população uma espécie que andava meio hibernada desde que abandonou os bancos da escola e começou a tratar da vidinha. Trata-se dos "Tipos que Optaram Sim Com Orgulho", ie, os T.O.S.C.O ou, para maior simplicidade deste post, os toscos. Também existem os T.O.S.S.E., os que optaram pelo sim "Semi Envergonhados", mas como o argumentário de ambas as sub-espécies é muito similar, e está todo profusamente descrito na cartilha do Guru Francisco Louçã, apenas descreverei de seguida os toscos com que me cruzei nos últimos dias, e que me fazem temer pelo futuro deste país.
Ora bem, o tosco reapareceu agora, depois de há uns anos ter querido partir a Indonésia aos bocadinhos e de ter chorado emocionado com os resultados da selecção Nacional nos Campeonatos Internacionais de futebol, isso sim, um facto digno de orgulho Nacional e merecedor dos maiores encómios. É exactamente a mesma pessoa que passa os serões no sofá a indignar-se com a fome em África e com o aumento da temperatura do planeta, mas que sistematicamente adia a sua redentora intervenção em áreas tao prementes. Tambem há a variante mais humanitária do tosco que partilha a sua visão solidária para com os que sofrem, com os seus colegas de balcão, num qualquer estabelecimento nocturno da moda, enquanto os dedos arrefecem agarrados ao copo. Mas agora chegou a altura de, com pouco esforço, o tosco poder contribuir para o avanço do país; trata-se de uma criatura que sempre sofreu um bocadinho da nostalgia de não ter estado presente nos grandes acontecimentos recentes da sua raça, designadamente por não ter atirado uns calhaus aos gendarmes no Maio de 1968, ou de não ter fumado umas belas "ganzas" e ter agido em consonância com o espírito do Woodstock. Contudo, interiorizou as conquistas dos bravos que lutaram nessa altura, e agora é a sua vez (do tosco), de fazer algo para preservar o património herdado, como por exemplo o amor livre sem consequências - a não ser para o bébé, mas isso são pormenores, ate porque ele - o bébé - não se queixa.
O tosco sente-se, pois, um justiceiro, alguém especialmente iluminado para resolver, através do seu voto-Excalibur, os grandes problemas da humanidade, especialmente o das pessoas que gostam de ir para a cama sem precauções, mas depois não querem assumir as consequências do que fizeram. Aqui vem também uma outra faceta do tosco à superfície: a de yuppie-de-trazer-por-casa, o fulano que acha que o prosseguimento de uma carreira que lhe permita ter um carro em leasing, um T3 em Telheiras, e ir de vez em quando ao Brasil, não é compaginável com um filho, e que é um argumento suficiente para se matar alguem. O tosco, infelizmente, anda um pouco atrasado nos seus ideais: ele quer ser um incurável romântico, mas as causas soixante-huitardes, hippies ou yuppies já ficaram para trás e ninguém lhe disse.
No entanto, estudos recentes provaram que, apesar de se tratar de algo de difícil detecção, os toscos parecem possuir uma consciência, ou um seu arremedo. É por isso que o tosco não consegue responder quando o questionam sobre a justiça de matar alguém, sobre o facto de eles, toscos, andarem neste mundo porque alguém decidiu pela sua vida, mas agora arrogarem-se o direito de brincarem aos deuses e decidirem o futuro, a vida ou a morte de outras pessoas. É por isso que fogem à discussão como gato escaldado de água fria, e apenas discutem o tema em auto-apologéticas reuniões somente dedicadas a toscos, como quem consome pornografia mas naturalmente tem vergonha de o assumir. Normalmente sao reuniões pouco produtivas, onde apenas se usam as palavras "mata" e "esfola", nos seus sentidos mais literais. Mas é a única hipótese de o fazerem, já que, quando discutem com quem defende a vida, os argumentos que antes lhes pareciam tão fortes e definitivos, lhes soam agora, a eles próprios, pífios e ridículos, sentindo vergonha e frustração por não serem capazes de dizer, num fiozinho de voz, algo mais importante e consistente do que o reaccionário chavão "apenas as mulheres deviam votar", ou "a opção é apenas da mulher" (de certa forma é uma triste verdade, pois a outra pessoa que poderia ter interesse em dar opinião infelizmente não consegue falar, e nem sabe o que a espera - mas não seria difícil imaginar o que diria, se pudesse. E garanto que nem o patético Rui Rio, agora tão moderno ao lado dos "okupas", ou coisa parecida, teria querido ser abortado se interrogado no ventre materno!).
Não obstante, o tosco continua a sentir-se um incompreendido pelas pessoas que defendem a vida humana. Pensa que já está num patamar mais avançado de evolução, o que lhe permite ver que a solução para o futuro da humanidade está na morte dos seus, mas tem dificuldade em mostrá-lo a quem não partilha a sua transcendência. Não consegue, infelizmente, ver que este é um retrocesso civilizacional de séculos, e que, por este andar, qualquer dia, quando velho, será abandonado pelos seus filhos num qualquer monte, apenas com um cobertor.
Depois de ter lutado e conseguido que a morte de bébés se tornasse legal, o tosco sente-se agora cheio de energia para as novas batalhas que se avizinham: tornar ilegais as corridas de toiros (principalmente com a morte do animal) e a caça à raposa!
O tosco acha-se um tipo moderno, avant la lettre. Mas para fora só consegue passar a impressão de uma pessoa que, para colocar algum movimento na sua vida triste, decidiu polemizar (poucochinho) e mudar o mundo - da pior maneira!
Deus tenha piedade dos toscos.
Davam grandes passeios pelo jornal
Há 1 hora