Há algo que me faz alguma confusão em Portugal: é que é mais difícil encontrar alguém cujo clube favorito não seja um dos ditos três "grandes", do que acertar duas semanas consecutivas nos números do Euromilhões. Lá fora, noutros países de hábitos talvez mais excêntricos, é possível encontrar quem goste do Sevilha, do Marselha, do Milão, do Liverpool, e podia ficar aqui eternamente a dar exemplos de clubes descentralizados, mas com verdadeira aficción, se a minha cultura futebolística mo permitisse. Cá, se não se é do Benfica, é-se do Sporting ou do Porto. Quem não for adepto de um destes três é, futebolisticamente falando, órfão. Se um marciano de repente aqui aterrasse, seria difícil fazê-lo acreditar, sem provas factuais, que existem mais de três clubes em Portugal. Conheço até pessoas cuja afinidade com o Porto não vai além de saber indicar razoavelmente a cidade num mapa, que nunca foram sequer lá, mas que não hesitam em indicar o Futebol Clube do Porto como o seu "clube do coração". Normalmente há também a variação politicamente correcta de se ser do clube da terra, seja ela Coimbra, Barcelos, Faro, Campo Maior, ou outra qualquer, como se se cumprisse uma espécie de obrigação moral, mas salvaguardano inevitavelmente a verdadeira admiração por um dos malfadados três que lhe podem garantir a segurança, quase freudiana, de lhe irem fornecendo regularmente vitórias: o Porto, o Benfica ou o Sporting!
Não era grande adepto de futebol, e só recentemente assumi o gosto, reconheço. No entanto, se existia clube que me despertava fortes simpatias, esse clube sempre foi o Vitória de Setúbal, desde os tempos em que alguns colegas de liceu me convidavam para assistir aos seus treinos nos intervalos das aulas. De ténue interesse, passei recentemente a sócio interessado e sofredor, e agora não concebo sequer a hipótese de apoiar outro clube, pelo menos enquanto o Vitória existir - e tanto se me faria que ele tivesse descido à segunda divisão, pois a minha intenção de o continuar a apoiar já estava decidida. Preparados para o pior, eis que hoje, no final de noventa minutos que pareceram novecentos, temos a feliz notícia: a equipa com o orçamento mais baixo da primeira divisão, em que o conjunto dos ordenados de todos os jogadores, do treinador e seus adjuntos, poderiam ser facilmente pagos com o ordenado de apenas um jogador das equipas de tôpo, conseguiu o milagre da permanência, subindo dois lugares na última jornada. São eles, para mim, os heróis da época, e não produtos de marketing, primas donnas, que apenas conseguem jogar se encontrarem a conjugação de uma série infinda de condições ideais.
E é por isso que me dá alguma vontade de rir - ou de chorar, já nem sei - quando alguém me pergunta qual o clube da minha simpatia e, confrontado com a resposta óbvia de que se trata da equipa sadina, insiste para saber, para além disso, qual dos "outros", dos tais três, é, "de verdade", o meu favorito. Normalmente olham-me com um ar assim meio condescendente e até pesaroso, como se soubessem de algo que eu não sei, quando respondo convicto que, tirando o Vitória, nada mais me interessa.
No domingo passado, José Diogo Quintela, talvez o menos "interventivo-justiceiro" da troupe humorística Gato Fedorento (e, talvez por isso, o único que ainda consegue manter alguma piada em anúncios e quejandos), na sua crónica habitual no "Público" corporizava o pensamento de quase dez milhões de portugueses, ao afirmar que não compreendia como era possível que alguém fosse de um clube que nunca ganhava nada. Tenho pena, mas quem não compreende isto, não compreende nada...
Davam grandes passeios pelo jornal
Há 1 hora