A vida tem destas coisas; nasci e passei a minha infância no Barreiro, (então) vila com fortes tradições de resistência anti-fascista. Lembro-me bem dos conselhos que se davam amiúde entre os adultos: "não dês muita conversa a fulano, porque me parece que ele é da PIDE!". E, antes de 1974, toda a gente que se prezava participava em encontros, mais ou menos clandestinos, nos quais eram divulgados e/ou transaccionados diversos produtos que, de outra forma, rapidamente sucumbiriam ao traço azul - e os meus inconformados pais não eram excepção!
Foi por esse meio que, desde a mais tenra idade, comecei o meu processo de familiarização com os temas de José Mário Branco, Francisco Fanhais - que foi o padre que baptizou a minha irmã - ou José (só se tornou "Zeca" depois do 25 de Abril) Afonso, que ainda tive o grato prazer de conhecer pessoalmente, entre muitos outros.
Foi também por esses longínquos tempos que fiz a minha primeira viagem a Madrid. Lá chegado, em plena Plaza Mayor, apaixonei-me por uma guitarra que devia ter aproximadamente o meu tamanho. Tanto fiz, que me ofereceram a dita guitarra, com a condição de, mal chegasse a Portugal, iniciar a minha formação musical.
Assim foi; passei semanas a dedilhar e a tentar ganhar calo suficiente nos dedos para conseguir apreender todas as notas que podiam compor uma melodia - isto, até ao dia em que, finalmente, o meu professor me achou apto a tentar tocar sequências mais complexas, e me pediu para escolher uma música de que gostasse para tentar tocá-la no instrumento.
Era a minha oportunidade, e eu, pirralho de oito ou nove anos, não a deixei fugir; aclarei a garganta e, meio desafinado, cantei tão alto quanto podia:
Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Ceifeiras viram-na em vida
Baleizão a viu morrer!
E o professor, boquiaberto: "não preferes cantar a
'Mamy blue'?"
Ontem passei por Baleizão, mas nunca consegui aprender a tocar guitarra;
some things never change!