Já há muito que não via o sermão dominical de Marcelo Rebelo de Sousa. A sua grandiloquência que, de tão profunda, só o próprio e alguns iniciados conseguem atingir, a mim provocava-me alergias. O seu carácter, sempre pronto a insultar e ofender, mas nunca disponível para o contraditório, não se enquadrava no tipo de carácter de pessoa que me mereça um módico de consideração. Os jogos de cintura, o "toca-e-foge" próprio de quem não consegue manter a coerência ou a frontalidade, não me suscitavam mais que um sorriso de comiseração pelo desejo patético de ser ouvido. A jactância e a petulância seriam adequadas e admissíveis num adepto de
tuning ou num cantor pimba, mas pelos vistos eram estas as referências, em termos de atitude, do "professor".
No entanto, recordava ainda com divertimento o arrazoado que a personagem sempre fazia sobre os 1.870 livros que tinha lido nessa semana, e que alegremente passava em frente à câmara no final de cada programa. Normalmente calhamaços com temas e graus de interesses díspares, promovendo algumas obras de qualidade razoável, simultaneamente com arrobas de refugo que lhe ia chegando à caixa de correio. O
modus operandi pouco mudou, a não ser por dizer que a apresentação "literária" passou para o princípio da palestra. Mas o lixo que o homem continua a passar, os "jeitos" a amigos que continua a fazer, retiram qualquer ponta de credibilidade que os mais bondosos pudessem associar-lhe.
Como é possível que um homem manifestamente inteligente - das poucas qualidades que não lhe nego - promova publicamente um livro de Margarida Rebelo Pinto, "Português Suave", (ainda por cima misturado com obras realmente boas, de Valter Hugo Mãe ou Francisco José Viegas) e pretenda ser levado a sério em seguida?