Soube-se ontem, numa espécie de confirmação dos rumores que já há algum tempo andavam no ar, que o Rally de Portugal vai voltar ao Campeonato Mundial de Ralis já a partir do próximo ano. Uma óptima notícia para os muitos amantes do desporto automóvel, e mais especificamente dos ralis, que existem por este país, dirão talvez os mais desatentos.
Mas as coisas não são bem assim; muita coisa mudou na competição de estrada nos últimos anos e dos difíceis ralis cheios de público disputados nas décadas de 80 e 90, que a maior parte das pessoas lembram, pouco ou nada ficou. O Rally de Portugal que se disputará em 2007 na zona do Algarve é uma competição formatada segundo regras de normalização rígidas, de desenvolvimento mais ou menos asséptico que tanto poderia ter lugar em Portugal como noutra parte do mundo, com a ressalva natural da diferença de paisagens e de estradas. E note-se bem que não estou a falar da forma saudosista como muitos apreciadores, principalmente do norte do país, lamentam o abandono de troços tradicionais do rali, como os das zonas de Arganil ou de Fafe, entre outros. Eu participei em seis edições do rali sentado num carro de competição, e acompanhei muitas outras em equipas de assistência, como jornalista, ou mesmo como mero espectador. Conheço bem a mística de todos os lugares onde estive, sei bem o que é sair de Viseu às quatro da manhã, ver nascer o sol em troços de Arganil com mais de quarenta quilómetros, dormir duas ou três horas por noite, descer para o Confurco a olhar para as dezenas de milhares de pessoas que nos esperam na encosta do outro lado da estrada, ou reencontrar os amigos na chegada ao Estoril. Vivi as lágrimas e as alegrias do rali como poucos e, desculpem-me a imodéstia, sinto-me um privilegiado por isso. Mas sei também que não se vive do passado, e que, neste momento, não existe outro local em Portugal para realizar o rali que não o Algarve, dada a quantidade de infraestruturas logísticas disponíveis, a par com boas estradas de montanha, conjugação única no país.
No entanto, ainda aqui há tempos, em conversa com o meu grande amigo N.R.S., comentava que os ralis de hoje em dia perderam a magia de outros tempos, muito por culpa das organizações, para as quais o público é visto como um empecilho e que, se fosse possível, realizariam as suas provas dentro de pavilhões fechados com transmissão unicamente pela televisão. Com excepção de meia dúzia de credenciados, que perceberão tanto de ralis como de lagares de azeite, o acesso ao contacto com os bólides é controlado de forma quase ditatorial, sejam quais forem as circunstâncias - e não estou a falar de palhaçadas arriscadas no meio da estrada, mas de visitas a assistências, observação dos stops, ou "aquela" curva gira, cujo acesso, no entanto, está vedado cinco quilómetros antes por zelosos agentes da lei. O público conhecedor deixou de interessar, e um rali do Mundial hoje em dia não é um produto para o verdadeiro
aficcionado, mas sim para o curioso, que tanto vai ao rali, como ao concerto dos Rolling Stones, como à festa lá da terra, e sempre com o mesmo grau de interesse.
Por isso, e porque assisti aos dois últimos ralis de Portugal como espectador e fiquei indignado com o que vi, garanto-vos desde já que, se não surgir um convite para participar na próxima edição do Rally de Portugal (já agora, aceito propostas), muito dificilmente me verão no sul do país entre 30 de Março e 1 de Abril do próximo ano. Façam bom proveito os que forem.