2006/02/17

Secção de leituras

Há dias lia numa crónica de João Bénard da Costa que, muitas vezes, não somos nós que encontramos os livros, mas sim eles, livros, que nos encontram. Certíssimo, como sempre.

Há mais de um ano, no aeroporto de Recife, aguardando o embarque para um voo transatlântico de muitas horas e com o stock de leituras que havia levado de cá já completamente lido, entrei numa livraria. Como livro do dia, "64 contos" de Rubem Fonseca, um calhamaço de mais de 800 páginas, aspecto algo tosco, mas que, contudo, se riu para mim. Comprei-o, claro. As referências que tinha de Rubem Fonseca eram praticamente nulas, confesso, mas durante o voo deu para inverter radicalmente essa situação. Aeroporto de Lisboa, trâmites alfandegários, o livro vai para o porão de um saco de mão, o saco que normalmente uso em viagens profissionais, e começa a "ganhar cama" lá no fundo, maioritariamente por preguiça. Nos hotéis nacionais, quando conseguia chegar mais cedo ao quarto, ainda o resgatava ao seu refúgio, mas o cansaço não me permitia ler mais que quatro ou cinco páginas avulsas, sem tempo, portanto, para tomar o gosto (melhor diria relembrar) ao seu esplendor.

E eis que chegam os últimos dias, catadupas de acontecimentos, e de repente disponho de mais algum tempo para ler. Os contos lá continuavam, a olhar para mim - e fizeram bem nessa persistência, pois as tais 800 páginas parecem agora 8, de tão depressa que se estão a passar!

Que crueza, que realismo, e, ao mesmo tempo, que mistério, que beleza. O Brasil deve ter mais a ver com isto, acho eu.

Dominó

Existem estigmas e sindromas que, por um motivo ou outro, teremos que carregar toda a vida. No meu caso pessoal, uma das coisas que mais frustrado me deixa consiste na incapacidade de, no contacto pessoal, transmitir às outras pessoas o tipo de ser humano que eu sou. Uma grande timidez desde pequeno, a rasar as fronteiras do caso patológico, a juntar a uma memória fotográfica de duração inferior à de um peixinho vermelho, criam em muitas das pessoas que me conhecem a ideia de que sou afectado e até antipático - o que, como poucos saberão, é uma ideia perfeitamente injusta!

Agora a história repete-se: divorciado recente, mas, contrariando as imagens feitas, mantendo uma vida relativamente sossegada e praticamente sem casos boémios, tenho dificuldade em fazer as pessoas acreditarem que é assim que a minha vida se passa na verdade e que o meu sonho, longe de ser o de um playboy, passa por coisas muito mais prosaicas e mundanas - comezinhas até, secalhar.

Mas afinal a culpa só pode ser minha, não é?