A estátua do Bocage (engraçado, como em Setúbal toda a gente diz "do", e não "de", Bocage, provavelmente devido ao seu nome ser "du Bocage"), a estátua, dizia, sita na Praça homónima, representa o grande poeta sadino com uma peça de tecido às costas. Em Setúbal não é necessário explicar a ninguém o que tal imagem significa, mas apercebi-me recentemente que a história da original carga não é muito conhecida fora dali. Ora bem, para simplificar, reza a história que Bocage andava sempre com uma peça (um rolo) de fazenda às costas e, quando interpelado, dizia que era para fazer um fato. No entanto, quando o voltavam a ver, ainda carregado com o seu volume, os amigos admiravam-se e perguntavam-lhe por que razão não tinha ele ainda dado o trabalho ao alfaiate, ao que Bocage invariavelmente respondia: "estou à espera da última moda!"
Lembrei-me disto ao aperceber-me de que existem pessoas cuja vida é passada à espera de algo que nem sabem se vão conseguir. É aceitável que um jovem, ao entrar para a universidade, no fulgor da rebeldia e pensando que é ele quem vai mudar o mundo, escolha um daqueles cursos absolutamente improváveis, ou um outro mais corrente mas com um conhecido superavit de formados. Pensa o jovem formando que, já que vai ter que trabalhar a maior parte da sua vida, ao menos escolherá fazer aquilo que deseja. Quando acaba o curso, percebe o que ninguém lhe disse antes: que não existe procura para "engenheiros de Bonsai", ou que existem 50 vagas de jornalista para os 1000 licenciados na área que procuram emprego. E então cai na realidade: apenas menos de 1% da população trabalhadora faz exactamente aquilo que sempre desejou e que gostava de fazer (o que é diferente de se gostar - ou não - do que se faz), enquanto que a esmagadora maioria aceita trabalhos em áreas nunca sonhadas como forma de sobrevivência e evolução natural. Mas existem os outros, aqueles de quem queria falar neste post: normalmente jovens recém licenciados, sem grandes encargos financeiros a seu custo (leia-se a viver em casa dos pais), que recusam qualquer tipo de trabalho que não seja na área escolhida, para lá de toda a razoabilidade. Destes existem os que, ao fim de alguns anos de pouca pesquisa e muita pressão, capitulam e se adaptam às ofertas do mercado, e os outros: aqueles que, para lá duma idade razoável - trinta anos, digamos - continuam a perseguir a quimera de fazer apenas o que querem, aceitando ocasionalmente, quando a isso são obrigados, funções noutras áreas, mas sempre deixando bem claro o seu descontentamento e a sua situação transitória no lugar, mesmo que daí lhe possam advir prejuízos profissinais graves.
Este raciocínio também pode ser aplicado, por exemplo, às relações sentimentais: quantos de nós não conhecemos pessoas que, apesar de todas as propostas muito razoáveis que já puderam aceitar, continuam a recusar tudo e todos, de olhar fito no horizonte, onde há-de surgir um cavaleiro ou uma princesa - conforme o género e a opção, evidentemente?
A questão é: serão estas pessoas inadaptadas, infelizes que nunca encontrarão a plenitude ou o caminho para ela, ou antes sonhadores, às quais os objectivos estipulados, mesmo que virtualmente impossíveis, continuam a dar a força para seguir em frente?
Governar
Há 12 horas
1 comentário:
I truly appreciate it.
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