2008/03/10

Tempos difíceis


Armindo Araújo é, sem grande margem para discussão, o melhor piloto de ralis português actualmente em acção, e um dos melhores em todo o mundo - e não sou (só) eu que o digo, mas sim quem com ele compete directamente. Mas o Armindo é, também, uma das mais correctas, educadas e humildes pessoas com quem já tive o privilégio de privar, designadamente quando fomos colegas de equipa na Competisport, corria o ano de 2002. Quem não sabia ainda que tipo de pessoa estava por detrás da imagem estereotipada que a comunicação social sensacionalisticamente nos impingiu por alturas do Rali de Portugal do ano passado, teve hoje oportunidade de acrescentar algo ao seu conhecimento, isto se ouviu a entrevista dada à TSF, no programa "Mais Cedo ou Mais Tarde".

Lúcido e sóbrio, como é seu timbre, o Armindo lá foi desfiando os pormenores da sua carreira a um jornalista razoavelmente preparado (pelo menos em relação a outros programas que já ouvi), explicando ao auditório quais os motivos por que, injustamente, só à beira dos trinta lhe foi dada a oportunidade de mostrar ao mundo o seu talento. A conversa corre fluida, até ao momento em que falamos de quantias. Aí, o Armindo diz que, para fazer um Campeonato Mundial no PWRC (Campeonato de Produção do Campeonato do Mundo de Ralis - World Rally Championship), é necessário cerca de um milhão de euros. A quantia é realmente fabulosa, e poucos de nós temos esperanças de alguma vez dispormos de algo parecido. Mas a quantia é manifestamente irrisória se a compararmos com a que vários jogadores de futebol auferem a título de vencimento, por darem uns pontapés numa bola e comparecerem a umas conferências de imprensa em que a frase mais bem construída que sabem proferir é "boa tarde". E, nunca é demais relembrar, o milhão de euros de que o Armindo necessita para fazer uma temporada no Mundial não vai para o seu bolso, como nos casos dos futebolistas. Vai antes para toda uma logística que tem que ser montada, com testes, treinos, alojamentos, inscrições, viagens, transportes de material, alugueres, manutenção, peças, pneus, honorários de colaboradores, e tudo o mais relativo - duvido mesmo, e sei do que falo, que o Armindo consiga guardar alguma coisa no fim, e até que não tenha que muitas vezes "compôr" as contas a partir da sua carteira.

Porque acontece, então, esta desproporção de meios entre o futebol e qalquer outra actividade, também meritória, e com tanto ou mais empenho por parte dos seus praticantes? A resposta é muito simples: a nossa comunicação social está inquinada de morte. Dos conhecedores e sábios jornalistas, com orgulho na profissão e na escrita, que a praticavam há menos de vinte anos atrás, regredimos, devido às leis do mercado, para uma massa amorfa de pseudo-jornalistas, debitados por universidades com um claro superavit de cursos da especialidade, dispostos a trabalhar por qualquer preço, mas incapazes, muitas vezes, de escrever o próprio nome sem erros de ortografia. Para esta espécie de novos escribas, que julgam que a sua cultura geral se mede pelo número de bares no Bairro Alto que conhecem, o conhecimento de causa é irrelevante, e a informação correcta transmitida ao receptor idem, pelo que se podem ouvir atoardas como, por exemplo, um "jornalista", também da TSF, que um destes dias falava directamente da Praça do "Quevedo" (Quebedo) em Setúbal, para avisar que a linha estava cortada devido às cheias, e que havia também notícia de uma morte em Vila "Nova" (Nogueira) de Azeitão. Quando falamos de espécimes, que estão no próprio local, mas que nem ler correctamente um papel sabem, é difícil manter a esperança.

Mas voltemos ao desporto, e à falta de destaque aos feitos do Armindo; a verdade é que não seria de esperar muito mais de uma imprensa que usa palas, como os animais de carga, e que acha que desporto é sinónimo de futebol. Mas, num ainda maior afunilamento das suas curtas, mas pretensiosas, vistas, entendem futebol como os jogos - ou as lesões, os espirros, qualquer coisa - de apenas três equipas, mesmo que, pelo menos duas delas, joguem um futebol bem abaixo de medíocre.

Mas a oferta relaciona-se directamente com o grau de exigência - e quem sabe este povo não terá apenas o que merece?

1 comentário:

AC disse...

Belíssimo post!