O piloto de motos francês Richard Sainct morreu há cerca de duas semanas, em consequência de uma queda, quando disputava o Rally dos Faraós, no Egipto. Não houve testemunhas do acidente, e o alerta foi dado pelos pilotos que o seguiam. Sainct ainda foi assistido no local, mas chegou já sem vida ao hospital. Era, sem dúvida, um dos melhores pilotos de motociclismo todo-o-terreno do mundo, como provam as suas três vitórias no Rally Paris Dakar, ou na Baja de Portalegre, em Portugal. Tinha 34 anos, era casado e pai de dois filhos.
Esta é a frieza da notícia que nos chegou há uns dias. Mas, para todos aqueles que, como eu, cresceram com o vício dos desportos motorizados enraizado no corpo, trata-se de mais uma machadada nas nossas crenças, mais uma dúvida sobre o sentido das coisas.
Faço aqui agora uma interrupção neste post para referir que a parte que se segue é eminentemente narcisística, e relativamente apologística da minha pessoa, pelo que, quem não apreciar o estilo, poderá quedar a sua leitura por aqui e esperar que eu volte a publicar posts mais generalistas.
Pois bem, na primeira metade da década de noventa, também eu tinha a mania que sabia andar de moto. Em 1993 disputei todo o campeonato Nacional de todo-o-terreno, incluindo as míticas Bajas Portalegre 500 e Portugal 1000. Nestas provas, organizadas pelo Clube Aventura, era frequente o seu director, José Megre, endereçar convites a pilotos estrangeiros para abrilhantar o plateau; entre estes pilotos, encontravam-se precisamente Richard Sainct ou Ciryl Esquirol em início de carreira, mas também alguns "trutas" já consagrados, como Thierry Magnaldi ou Stéphane Peterhansel. Foi, pois, assim que eu tive oportunidade de competir directamente com vários dos melhores pilotos do mundo, entre os quais precisamente Sainct, que viria a ter a carreira de sucesso e desgraça que agora conhecemos.
Bom, "competir directamente" será certamente um eufemismo, já que eles "voavam baixinho", enquanto eu lá ia contando todos os buracos do percurso com as rodas da minha moto, quando não com o corpo - era rara a prova no final da qual eu não tivesse pelo menos uma boa meia dúzia de quedas, e outro tanto de arranhões e nódoas negras, para contabilizar. Mas lá ia fazendo o que podia com a minha fiel Yamaha 125, talvez a moto mais antiga da classe em que competia, as 125 de série. E a minha tenacidade e espírito de sacrifício naquela altura lá deram os seus resultados: a verdade é que, dos cerca de quarenta pilotos classificados nesse ano, eu fui o único a concluir todas as provas, o que me valeu um muito razoável (para as minhas expectativas) quarto lugar final no Campeonato.
Na altura tinha começado o boom de participações de pilotos portugueses no Paris Dakar, pelo que, ao saber do meu resultado e, principalmente, da minha regularidade, o meu amigo Pedro Amado me convidou para integrar um projecto que ele e o Bernardo Villar andavam a montar. Era uma coisa ambiciosa: eles os dois, já com razoável experiência de deserto, participariam na edição de 1994 ao volante de Yamaha 750 bicilíndricas, mas o projeto contemplava ainda a participação de mais quatro Yamaha 660 monocilíndricas para "aguadeiros", nome dado aos pilotos que também participam na prova, mas com a principal finalidade de prestarem assistência rápida aos seus chefes de fila. E foi precisamente para conduzir uma dessas motos no Dakar que o Pedro Amado me convidou.
Há dez anos atrás, é fácil imaginar a excitação que se seguiu na minha cabeça. Felizmente, penso eu agora, os patrocínios não chegaram (a futebolite aguda é uma doença antiga), e o projecto nunca se concretizou. Mas ainda há aqui uma partezinha de mim que sonha com o deserto - quem lá vai fica apaixonado para a vida. No entanto, tudo o que conheço é um vislumbre do Saara marroquino, e acho que me vai chegar até ao fim dos meus dias. Na altura teria pago de bom grado para ir correr no deserto, mas a verdade é que hoje, nem que me oferecessem a conta bancária de Bill Gates, me conseguiriam convencer a participar!
Governar
Há 12 horas
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