Uma história breve, pessoal, mas que poderia acontecer com qualquer:
Sou divorciado. O meu casamento foi católico e, por isso, e a menos que o Papa intervenha, não poderei voltar a casar pela Igreja. Há poucos anos encontrei outra pessoa, com quem estou bem, e com quem tive uma filha, que fez há dias dezoito meses. Católico que sou, naturalmente que pensei em baptizar a minha menina. Escolhi os padrinhos, pessoas em quem eu confio, e dirigi-me à Paróquia onde vivi a maior parte da minha vida, São Lourenço, Azeitão. Não conheço o nome do padre e, francamente, dada a tacanhez da figura, nem tal me parece relevante. Mas retenho que lhe expliquei que pensava efectuar uma celebração conjunta, com passagem pelo Registo Civil de manhã de forma a actualizar o meu estado civil (vulgo casar), e em seguida proceder a um baptizado Católico da minha filha. Da forma mais brusca possível, a figurinha, que aparenta uma idade física bem inferior ao reaccionarismo intelectual, explicou-me,
tout court, que apenas celebraria o baptizado se os padrinhos fossem duas pessoas casadas uma com a outra, em cerimónia católica, primeiras núpcias para ambos, e que, além disso, teriam que ser baptizados, com primeira comunhão e crismados.
Evidentemente que as pessoas que eu escolhi reunem, com boa vontade, talvez 10% destas condições, para além de que, nos dias que correm, poucos terão tempo para frequentar arcaicos cursos de preparação para a função. Agradeci-lhe, evidentemente, a informação, e voltei-lhe costas, certo de que, a menos que se trate de alguma cerimónia de amigos, dificilmente voltarei àquela igreja para ver a performance de tão triste personagem.
Lembrei-me depois de uma situação que vivi de perto, há uns dez anos ou mais, em que uma determinada mãe convidou uma amiga para ser madrinha da sua filha. Só que a convidada residia em Lisboa, como tal não podia frequentar as ditas aulas e a solução arranjada pela própria Igreja foi a de ser outra pessoa, uma acólita que provavelmente nunca mais viu a sua "afilhada", mas que tinha tempo de sobra para frequentar cursos, a madrinha "oficial" - pois só ela preenchia os requisitos. Enquanto isso, a pessoa que ficou a ser a madrinha de facto da menina, não pôde participar nessa qualidade na cerimónia porque, para a Igreja, não reunia condições para ser madrinha - mas uma qualquer beata, sem nenhuma relação familiar ou afectiva com a menina, só porque fazia os cursos e era crismada, já o podia ser. Uma fantochada ignóbil promovida por representantes da Igreja Católica, em suma.
Lembra-me aqueles velhos que antigamente se encontravam em alguns notários com o seu bilhete de identidade, e que avalizavam qualquer assinatura a rogo, quase sempre sem conhecerem o signatário e a troco de uma nota de quinhentos escudos. O velho sabia que não conhecia o signatário, este sabia que não conhecia aquele, e o notário sabia que ninguém conhecia ninguém, mas todos fingiam acreditar em algo que era consabidamente mentira.
Penso nisto, e penso nas queixas que de vez em quando oiço da parte da Igreja, do afastamento de fiéis. Mas se é este o tratamento arrogante e reaccionário que espera quem voluntariamente procura a Igreja, como pensarão eles promover a tal (re)aproximação que dizem ambicionar?