2006/06/03

Parar para pensar

Depois de mais uma relativamente longa hibernação, cá estou eu de novo, caro leitor, mas desta vez para lhe falar de um assunto que apenas poderá interessar a alguns - contudo, é essa uma das principais vantagens deste espaço blogosférico: a possibilidade de gastarmos milhares de caracteres a divagar sobre o nosso umbigo, se for essa a nossa vontade, aceitando tacitamente as regras do jogo, isto é que, do outro lado, qualquer pessoa é livre de saltar por cima deste post (ou de todo o blog, até!), se nele não vislumbrar qualquer interesse ou mais valia para a sua informação ou cultura pessoal.

Pois bem, apresentado este intróito, passo então a falar do CDS-Partido Popular, e da sua situação actual, basicamente aquilo que me traz aqui. Desde já ressalvo que me considero insuspeito para o fazer nos termos que se seguem, pois sou seu militante há mais de vinte anos (a que deverei juntar mais de sete de Juventude Popular, então Juventude Centrista), e em todo este tempo nunca esperei, mendiguei ou obtive qualquer tipo de colocação ou vantagem decorrentes da minha condição de filiado e dirigente - no entanto, durante estes muitos anos, pude observar muito "pára-quedista" a chegar às fileiras do partido, sem qualquer tipo de coerência ideológica (em relação a muitos deles duvido mesmo que tenham algum tipo de ideia política de todo), mas com uma devoção canina a quem está na liderança em cada momento (e, na sua única atitude coerente com o seu grau de dignidade, apresentando rapidamente um olímpico desprezo por aqueles que ontem aparentemente idolatravam, desde que já não ocupem lugares de poder), e tudo isto com o único fito de arranjarem "tachinhos" para si e para os seus. Este fenómeno, não exclusivo do meu partido, teve no entanto, e durante muito tempo, uma dimensão marginal e os "penduras" eram identificáveis à légua e facilmente mantidos a uma adequada distância higiénica. Contudo, com a subida do partido ao Governo, há poucos anos atrás, a coisa precipitou-se e foi com um misto de estupefacção, repulsa e até vergonha que, de um momento para o outro, começo a ver por todo o lado à minha volta a saída dos seus buracos dos tais boys que tanto condenava nos outros partidos, todos eles a alcandorar-se a lugares de alguma responsabilidade, a maior parte das vezes sem capacidades sequer para gerir uma mercearia de bairro, e frequentemente sendo alvo recorrente da chacota de quem com eles trabalhava. Mas o fundamental, para este tipo de criaturas, não é o seu desempenho, mas sim esse conceito vago que designam de "aparecer": "aparecer" num jornal, "aparecer" numa cerimónia pública ou - suprema realização pessoal! - "aparecer" numa reportagem de televisão.

Bom, saltemos agora, cronologicamente falando, por cima do espaço de governação do CDS-Partido Popular até chegarmos aos dias de hoje, em que o país é governado por uma personagem de valor dúbio, mas que tenta disfarçar as suas muitas insuficiências culturais, políticas e cívicas através de grandes doses de arrogância e petulância, com algumas citações de filósofos pelo meio (recorrente, esta forma pífia de mostrar suposta cultura política). Neste cenário encontramos também um CDS-Partido Popular que mudou de direcção, encontrando-se a presente equipa à frente dos destinos do partido há pouco mais de um ano. No entanto, não obstante a sua juventude, e devido a aparentes problemas de auto-estima, complexos de perseguição e outras teorias da conspiração avulsas, foi já esta direcção sufragada internamente por três (!) vezes neste curto espaço de tempo. Curiosamente, e apesar de algumas leituras enviezadas do assunto por parte de quem tem interesse em manipular a informação, a verdade é que a opinião do interior do partido não tem coincidido de todo com a do eleitorado, já que esta direcção também foi entretanto julgada pelo voto Nacional por duas vezes - contudo, em ambas as vezes resultados desastrosos foram convertidos em confortáveis vitórias morais ou coisa que o valha, ao melhor estilo comunista! Na segunda das eleições em que estivémos envolvidos, de resto, para a Presidência da República, decidiu-se até o partido pelo apoio a um candidato cujas únicas negociações conhecidas com o CDS-Partido Popular ficaram confinadas ao auricular do telemóvel do Dr. José Ribeiro e Castro, e em que o candidato demonstrou durante a quase totalidade da campanha um desrespeito pelo nosso partido (que sistemática e intencionalmente designava por "o outro partido que me apoia"), desrespeito esse que, com uma direcção digna desse nome e dos pergaminhos do partido, teria merecido no mínimo uma veemente chamada de atenção e até, em caso de reincidência, a retirada do apoio. Medo de quê? Eu, pela parte que me toca, orgulho-me de afirmar que não votei no Prof. Aníbal Cavaco Silva, tendo sido esta a primeira vez que não votei no CDS-Partido Popular, nos seus candidatos ou de acordo com as suas indicações de voto, e isto desde o longínquo dia do meu recenseamento.

Mas voltemos ao país: vivem-se dias difíceis, os impostos sobem, o Governo anuncia megalómanas e dispendiosas formas de, à custa do já pouco dinheiro dos contribuintes, satisfazer as suas clientelas - vide casos da Ota e do TGV, entre outros - e, não obstante, o que acontece nas sondagens? O PS desce, como seria lógico e expectável num país civilizado e inteligente? Não, a popularidade do Eng. Sócrates continua a subir. Estranho, não é? Nem nos tempos do despesismo populista do Eng. Guterres, outro subproduto felizmente já exportado, o trabalho de propaganda demagógica do PS foi tão fácil. Mas tudo isto, é bom que se diga, não se deve a mérito do PS, mas sim a um evidente e constrangedor demérito por parte das oposições.

A direcção do CDS-Partido Popular adoptou, neste último ano da sua vida, um discurso beato, quase a raiar o reaccionário até em alguns pontos, com o qual o eleitorado moderno, mesmo que de direita, não se identifica; entretanto, as poucas boas ideias que vão surgindo simplesmente não passam para a opinião pública porque o líder apenas o é às quintas, sextas e sábados - devemos ser precavidos, pois ninguém sabe o que nos espera no futuro. Desconhecerá, talvez, esta gente que a política não é apenas ter ideias, mas sim, e principalmente, passá-las para o eleitorado, essa grande massa anónima que decide quem governa. Fica sempre bem, e dá um ar informado, trazer um punhado de autores para citar à sobremesa, mas é de uma tocante ingenuidade esperar que a população leia Oakeshott nos transportes públicos ou Burke antes do jantar!

O Bloco de Esquerda, o maior embuste conhecido até hoje na política nacional, já percebeu há muito o funcionamento da coisa e preocupa-se tanto ou mais com o marketing das suas ideias do que com o seu conteúdo - quando o há! O resultado é que, por mais demagógicas e inexequíveis que surjam sempre as propostas da esquerda-caviar, elas passam a uma população sedenta de novidades e de murros na mesa, enquanto que as imberbes considerações da excelsa Direcção do CDS-Partido Popular sobre turismo, por exemplo, debitadas em ciclo de conferências, não chegam sequer ao único Ministro do Pelouro que este país já teve, o Dr. Telmo Correia, porque os organizadores decidiram não o convidar para o evento. O meu filho tem cinco anos mas já há muito que não tem este tipo de birras e retaliações.

Bom, posto isto chegamos à noite de ontem, noite de Assembleia Distrital de Setúbal, à qual sou delegado por decisão dos militantes que amavelmente me elegeram também para Vice-Presidente da Comissão Política Concelhia de Setúbal. Entre outros pontos da agenda, eminentemente propagandística, da recém empossada Comissão Política Distrital (CPD), encontrava-se a eleição dos quatro delegados ao Conselho Nacional do Partido que representarão naquele orgão os militantes do distrito de Setúbal. O que não estava, certamente, na ordem de trabalhos nem nas previsões de quem os conduziu (que não percebi exactamente quem foi, já que o Presidente da CPD falava quando lhe apetecia e dava indicações directas ao Presidente da Assembleia sobre a forma de dirigir a mesma, decidindo quem podia ou não falar), seria a existência de intervenções não alinhadas com o statu quo vigente. Assim, depois de uma sucessão de intervenções (e respectivas respostas) ao melhor estilo encarneirado, do tipo "Vai dirigir bem esta distrital, não vai?", "Sim, vou dirigir bem esta distrital", passe a caricatura, chegou finalmente a minha vez de usar da palavra, algo para que me inscrevi desde o princípio dos trabalhos, mas que, apesar de constituir um direito meu alienável, só consegui ao fim de muita insistência junto da parcialíssima mesa.

Destinavam-se os breves minutos a que putativamente teria direito, em contraste com o tempo não controlado de todos os partidários da CPD, a fazer uma breve apresentação da lista de candidatos ao Conselho Nacional do partido que eu orgulhosamente encabecei e, como seria razoável, a contextualizar e justificar as razões de tal candidatura. No entanto, ao fim de alguns segundos (!) das minhas reflexões foi-me cortada a palavra, com todo o tipo de argumentos destrambelhados e contraditórios, primeiro sobre a alegada não adequação da intervenção ao tema em discussão, depois com malcriados insultos e sinais de enfado de quem não concordava comigo, mas que eu ouvira antes em respeitoso silêncio, e por fim, em desespero de causa, com argumentos de ordem temporal. No entanto, numa dualidade de critérios a que infelizmente já nos vamos habituando, esses mesmos argumentos já não foram válidos para impedir que o Presidente da nóvel CPD, meu caro amigo Dr. Carlos Dantas (ao contrário de outros, não confundo relações institucionais com pessoais), usasse em seguida da palavra pela enésima vez para alegadamente me responder (a quê, se não me deixaram falar?). Só que aquilo que deveria ser uma resposta às minhas proibidas explicações, rapidamente se transformou, novamente em tom auto-apologético, na apresentação e enaltecimento da única lista adversária à minha (curiosamente, lista a que ele não pertencia, e com a qual oficialmente se desconhecia qualquer relação) - algo que me foi negado no mais puro estilo ditatorial - e ainda, en passant, em algumas pouco educadas e até abusivas insinuações sobre a lista que eu integrei, suas motivações e pessoas que a compunham.

Corolário: face a tão pouco curial ataque e manipulação, pedi a defesa da honra, figura regimental que permite ao seu utilizador utilizar um dos seus mais elementares direitos, isto é, defender precisamente a sua honra. Foi-me negado tal direito, por "falta de tempo". Engraçado, não é? Isto depois de várias horas somadas de intervenções de todos os elementos e apaniguados da CPD, com natural destaque para o seu Presidente...

Após o encerramento destes tão sui generis trabalhos, uma das mais importantes integrantes da recém empossada CPD do partido, a minha estimada Dr.ª Isabel Fernandes, dirigiu-se-me dizendo, em tom solene mas deliberadamente acusatório, qualquer coisa como: "sabes, eu penso que existe aqui um grupo de pessoas que está a tentar acabar com o partido", ao que eu, naturalmente, lhe respondi da única forma possível: "mas olha que eu acho o mesmo - a única diferença é que eu acho que essas pessoas não são as mesmas em que tu pensas".

Face a tudo isto sinto-me agora muito triste, confuso e até algo perdido; não foi neste partido que me filiei há muitos anos, não foi por este partido que me arrisquei em muitas campanhas num distrito difícil como é o de Setúbal, e não é este partido beato e ensimesmado que eu consigo defender em discussões com outras pessoas, eventualmente indecisas. Por tudo isso, e por outras razões que não digeri ainda, creio que é chegada a altura de parar para reavaliar tudo aquilo por que tenho passado em termos políticos. Mais notícias em breve, talvez...