2008/10/18

Consciência

Gostava de ver o que teria dito a comunicação social, mais o seu ordenado rebanho de "modernos", se esta triste ópera-bufa da entrega do Orçamento de Estado tivesse sucedido com um ministro de Santana Lopes.

Esquerdalha das redacções, se tiverem consciência, envergonhem-se apenas e não tentem justificar nada.

"Escuta, vai mas é trabalhar, pá!"

Esqueçam o "Gato Fedorento"; o animal começou a morrer no dia em que deixou a SIC Radical, e agora definha tristemente aos nossos olhos - ou aos de quem os vê, que para esse peditório já dei. Há, de resto, uma excelente forma, para além da nossa percepção sensorial, para perceber o que é comercial, et pour cause, mau em 99,9% dos casos: se muita gente gosta, como Paulo Coelho, a TVI ou o "Mamma Mia", certamente não deve ser grande coisa...

Se também vos apetece vomitar quando aparecem aqueles anúncios indigentes da MEO, não digam que fui eu quem vos disse, mas experimentem antes ver "Os Contemporâneos" enquanto eles são marginais (ou marginalizados...), mesmo dentro da RTP.

Tenho pena daqueles que, ao começarem a ler este post, desde logo começaram a preparar a justificação política para o meu enjôo com o "Gato Fedorento", mas o facto de adorar Bruno Nogueira & C.ª não veio ajudar nada, não é?

Força Tozé!


Uma história simples: o Tozé Rodrigues é um jovem transmontano de Murça, licenciado pelo Conservatório e professor de música em Vila Real. É também viciado em Dave Matthew's Band, bom rapaz, meu amigo, e seguramente o melhor piloto nacional da sua geração.

O seu pai, o Zé Rodrigues, faz o favor de ser um grande amigo meu. É funcionário da Câmara Municipal de Murça e tem um dos mais ricos palmarés do automobilismo Nacional, conquistado a pulso e à custa de muito sacrifício. Um dia percebeu que o dom para "mexer na regueifa" (calão automobilístico para "conduzir depressa") era hereditário e, como bom pai que é, moveu montanhas para encontrar os apoios que permitiram ao Tozé mostrar todo o seu valor aos adeptos Nacionais. O Tozé é, por isso, o piloto de ralis que provavelmente reúne maior quantidade de apoiantes espontâneos e desinteressados na beira de estrada, com faixas de apoio, buzinas, e toda a panóplia que faz parte duma claque que se preze.

No princípio de 2007 pareciam estar finalmente reunidas as condições para o Tozé brilhar mais alto, e conseguir lutar pelo Campeonato Nacional com um carro de topo. Contudo, interesses obscuros movimentaram-se e, depois de cumprida a primeira prova (com um terceiro lugar fenomenal, se tivermos em conta que era a primeira vez que conduzia o carro, estava um lamaçal inenarrável, teve problemas de turbo e andavam lá muitos pilotos com carros melhores e mais experiência), para a qual dei a minha modesta contribuição como batedor da equipa, alguém deu o dito por não dito, deixando o Tozé apeado e, pior, a família com uma série de dívidas decorrentes dos compromissos assumidos e que contavam saldar com o dinheiro dos patrocínios, agora gorados.

Seria motivo de desânimo para muitos, mas não para estes transmontanos que, apesar de apenas viverem dos seus ordenados de funcionários públicos, fizeram das tripas coração para honrar os seus compromissos, fazendo orelhas moucas a quem nas corridas lhes dava palmadinhas nas costas e cobardemente andava nas suas costas a regozijar-se com a infelicidade.

Entretanto outro problema subsistia: todo o capital de talento do Tozé enquanto piloto apenas poderia ser capitalizado se aproveitado numa faixa etária estreita e, nestes casos como em outros, a inactividade não ajuda nada. Com os meios possíveis o Tozé lá foi participando em provas de montanha e outras, enquanto o incansável Zé procurava resolver a vida e, simultaneamente, encontrar uma solução de condução para o filho.

Parte dois: No princípio de 2008 a Pirelli, conhecida marca de pneus italiana, anunciou que pretendia criar um concurso internacional que permitisse a vários jovens pilotos de diversos países fazerem a época de 2009 do PWRC (Production World Rally Championship, ie, Campeonato do Mundo de Ralis, Agrupamento de Produção) com todas as despesas pagas. Para tal, todos os candidatos, seleccionados pelas respectivas Federações Nacionais - um por país - , deveriam comparecer com os seus carros habituais e equipa na Áustria, perto de Linz, no próximo fim de semana, para disputar um mini rali (shoot out) que, a par com outras avaliações, como a atitude ou a aptidão para os relacionaments, iria definir quais os bafejados pela sorte.

A Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK) decidiu, numa primeira hora, seleccionar o piloto madeirense Bernardo Sousa para representar as cores portuguesas nesta iniciativa. O Bernardo é um rapaz com boas possibilidades económicas (felizmente), que se encontra a disputar já este ano o PWRC com alguns resultados assinaláveis, assim como o Campeonato de Portugal de Ralis. No entanto, o Bernardo teve que ser submetido a uma operação cirúrgica recentemente, cuja convalescença o impede de conduzir em competição por alturas do shoot out. Disso mesmo deu conhecimento à FPAK que, face aos novos dados, e consciente dos movimentos crescentes na net a favor do Tozé (lobby em que, modesta mas orgulhosamente, me envolvi pessoalmente), acabou por indicar o seu nome como representante Português na iniciativa.

Um corolário feliz, pensarão alguns. Mas falta alguma coisa: lembram-se de lá em cima ter dito que seriam necessários os meios de cada um para disputar o shoot out? Pois, e o Tozé apenas tem os meios para ir de Murça a Vila Real todos os dias trabalhar. Mas aqui entra o toque de cavalheirismo e desportivismo que nos faz adorar este desporto mais do que qualquer outro: o Bernardo Sousa, o concorrente que declinou, fez questão de, ao saber que seria o Tozé o nomeado, colocar toda a sua estrutura - carro, mecânicos, assistência, logística (e só um carro destes pode valer mais de 200.000,00€...) - à disposição do Tozé para a disputa das provas de selecção, e isto gratuitamente! Ontem e hoje decorreram, de resto, os únicos testes preliminares do Tozé, com direito a reportagem televisiva e tudo!

Não será um conto de fadas, mas é certamente uma história bonita, que merece um final feliz. E é por isso que o Tozé e o Zé sabem que para a semana, na Áustria, levarão naquele carro a esperança e a motivação de centenas de adeptos, que decerto lhe dará potência suplementar. Mas também sabem que vitória é o que estão a viver desde já, e ninguém lhes exigirá mais do que a representação digna do nossos país, independentemente dos resultados. Algo que, por exemplo, uma selecção de futebol paga a peso de ouro não consegue fazer.

Como costuma dizer muitas vezes o Zé, Deus não só é grande como é justo!