2004/05/28

Do contra

Volto a bater no ceguinho, mas não posso deixar de me sentir ofendido pelo nacional-histerismo que tomou conta do país, a propósito de um grupo de jogadores que ganharam um importante jogo de futebol.

Mas que diabo é isto? São apenas pessoas como nós que dão uns chutes numa bola. Por que razão hão-de ser todos alcandorados ao estatuto de heróis? Não o serão muito mais os nosso atletas paralímpicos, que voltam ao país carregados de ouro, e que são votados ao mais olímpico desprezo?

Em pleno Algarve, e logo após o fim desse jogo, assisti in loco a uma explosão de alegria que - estou certo - não seria maior se cada um dos celebrantes tivesse sido pai ou mãe naquela altura. Por um bocadinho, toda aquela boa gente esqueceu as misérias que constituem as suas vidas, e festejou uma simples vitória desportiva como se de um triunfo pessoal se tratasse; hoje talvez já tenham voltado às muitas imperiais de fim de tarde, à porrada na mulher, mas naquele instante todos se sentiam vitoriosos - e por um motivo pífio!

2004/05/24

Adições

Havia já muito tempo que não actualizava a minha colecção de CDs, mas hoje não resisti, e só de uma penada comprei dois álbuns extraordinários: Neil Hannon, usando o habitual alter ego de The Divine Comedy, em "Absent friends", e "You are the quarry", de Morrissey, sem os Smiths mas a soar como em "The Queen is dead".

O oto-verme de hoje é benigno: "Irish blood, english heart".

2004/05/23

Fórmula 1


Quem me conhece minimamente não questionará a minha grande paixão pelos automóveis - mas ficará decerto admirado se eu lhe confessar que há já vários anos que não fico a hora de almoço em casa, a um domingo, para ver um Grande Prémio de Fórmula 1.

Com efeito, a Fórmula 1 moderna tornou-se numa competição monótona e desinteressante, disputada em circuitos assépticos, desenhados por computadores, e com carros carregados de electrónica que bem poderiam ser telecomandados a partir das boxes. Num cenário destes, emerge a razoável perícia para a condução de alguns, mas principalmente a maior ou menor capacidade de um determinado carro - e é por isso que um piloto médio (e um homem indigno desse nome), como Michael Schumacher, consegue facilmente ir coleccionando vitórias em linha, enquanto se vai enterrando bem fundo o interesse da Fórmula 1.

Mas há um Grande Prémio que tento não perder todos os anos: o do Mónaco. Porque é o último de uma linhagem de Grandes Prémios feitos para homens, e não para vedetas que, mal vêem uns pingos de chuva, logo se juntam em associações e piquetes de greve para exigirem condições de segurança. Esquecem-se estas primas donnas que são pagos a peso de ouro para praticar um desporto de risco, e que é esse mesmo risco que nós, espectadores, esperamos que eles corram. De resto, qualquer um deles sabia de antemão as regras do jogo.

Que saudades de homens com "H" grande, como Jackie Stewart, François Cévert, James Hunt, Gilles Villeneuve, Ronnie Peterson, Nigel Mansell, ou o grande Ayrton Senna (e falo apenas de alguns dos que vi correr). Que pena não serem as "meninas" de agora feitas da mesma fibra de Jacques Villeneuve, que se recusou a assinar um pacto de não ataque nas primeiras voltas de um qualquer Grande Prémio, "furando" assim a combinação que todos os outros pilotos haviam cozinhado para nos defraudar, a nós, espectadores.

Há uns anos, assistia eu a uma tourada em Espanha, e um velho aficcionado ao meu lado não se cansava de vaiar o toureiro que, na minha modesta opinião, até não se estava a sair nada mal. Ao fim de algumas vaias, e percebendo tacitamente a minha admiração com tamanho descontentamento, o velho explicou-me: "o toureiro ganha mais por esta faena, do que muitos de nós ganhamos num ano, e o bilhete custa quase uma semana de trabalho a muitas das pessoas que aqui estão; por isso, ele não pode tourear razoavelmente - ele tem que tourear bem!"

Se não, senhores da fórmula 1, dediquem-se ao golf.

Amigos

Tanto esta Ana como esta falaram disto recentemente, e logo senti que é algo que há muito me atormenta também a consciência; na adolescência chamamos "amigos" a qualquer tipo que beba umas bejecas connosco, goste de sair e de falar de miúdas. Mas depois, os nossos caminhos quase sempre divergem; quando, passados uns anos, voltamos a encontrar os nossos "melhores amigos de há uns tempos", não conseguimos evitar pensar: "mas o que é que eu tenho a ver com este gajo?"

Chamem-me snob, egoísta, o que quiserem, mas neste momento contam-se facilmente pelos dedos de uma mão as pessoas com quem sinto que posso falar de qualquer coisa, de qualquer assunto, e que sinta que estão disponíveis para mim - e eu para elas, claro. Quase ninguém quer saber o que eu leio, o que eu oiço, o que eu sinto, mas, em contrapartida, quase toda a gente está sempre disponível para me apresentar a sua perspectiva sobre o último jogo de futebol ou sobre o casamanto dos príncipes espanhóis (bocejo...).

Acho, por isso, que é tempo de criar uma espécie de prateleira nas minhas relações: a daquelas pessoas com quem já passei por muito, mas que encaminharam as suas vidas e as suas prioridades em direcções diferentes das minhas. Pessoas a quem tenho pudor de chamar "amigas", pela carga emocional que o termo comporta, mas das quais não sou capaz de dizer que não o são.