2009/02/10

Obsessão boa


Cada um tem os sonhos que quer; alguns dos meus são muito materialistas e prosaicos.

Apanhar moscas com vinagre

Uma história breve, pessoal, mas que poderia acontecer com qualquer:

Sou divorciado. O meu casamento foi católico e, por isso, e a menos que o Papa intervenha, não poderei voltar a casar pela Igreja. Há poucos anos encontrei outra pessoa, com quem estou bem, e com quem tive uma filha, que fez há dias dezoito meses. Católico que sou, naturalmente que pensei em baptizar a minha menina. Escolhi os padrinhos, pessoas em quem eu confio, e dirigi-me à Paróquia onde vivi a maior parte da minha vida, São Lourenço, Azeitão. Não conheço o nome do padre e, francamente, dada a tacanhez da figura, nem tal me parece relevante. Mas retenho que lhe expliquei que pensava efectuar uma celebração conjunta, com passagem pelo Registo Civil de manhã de forma a actualizar o meu estado civil (vulgo casar), e em seguida proceder a um baptizado Católico da minha filha. Da forma mais brusca possível, a figurinha, que aparenta uma idade física bem inferior ao reaccionarismo intelectual, explicou-me, tout court, que apenas celebraria o baptizado se os padrinhos fossem duas pessoas casadas uma com a outra, em cerimónia católica, primeiras núpcias para ambos, e que, além disso, teriam que ser baptizados, com primeira comunhão e crismados.

Evidentemente que as pessoas que eu escolhi reunem, com boa vontade, talvez 10% destas condições, para além de que, nos dias que correm, poucos terão tempo para frequentar arcaicos cursos de preparação para a função. Agradeci-lhe, evidentemente, a informação, e voltei-lhe costas, certo de que, a menos que se trate de alguma cerimónia de amigos, dificilmente voltarei àquela igreja para ver a performance de tão triste personagem.

Lembrei-me depois de uma situação que vivi de perto, há uns dez anos ou mais, em que uma determinada mãe convidou uma amiga para ser madrinha da sua filha. Só que a convidada residia em Lisboa, como tal não podia frequentar as ditas aulas e a solução arranjada pela própria Igreja foi a de ser outra pessoa, uma acólita que provavelmente nunca mais viu a sua "afilhada", mas que tinha tempo de sobra para frequentar cursos, a madrinha "oficial" - pois só ela preenchia os requisitos. Enquanto isso, a pessoa que ficou a ser a madrinha de facto da menina, não pôde participar nessa qualidade na cerimónia porque, para a Igreja, não reunia condições para ser madrinha - mas uma qualquer beata, sem nenhuma relação familiar ou afectiva com a menina, só porque fazia os cursos e era crismada, já o podia ser. Uma fantochada ignóbil promovida por representantes da Igreja Católica, em suma.

Lembra-me aqueles velhos que antigamente se encontravam em alguns notários com o seu bilhete de identidade, e que avalizavam qualquer assinatura a rogo, quase sempre sem conhecerem o signatário e a troco de uma nota de quinhentos escudos. O velho sabia que não conhecia o signatário, este sabia que não conhecia aquele, e o notário sabia que ninguém conhecia ninguém, mas todos fingiam acreditar em algo que era consabidamente mentira.

Penso nisto, e penso nas queixas que de vez em quando oiço da parte da Igreja, do afastamento de fiéis. Mas se é este o tratamento arrogante e reaccionário que espera quem voluntariamente procura a Igreja, como pensarão eles promover a tal (re)aproximação que dizem ambicionar?

2009/02/09

Da dualidade de critérios:

Fernanda Câncio publica, no seu blog (ou no blog em que escreve, para ser exacto), um post em que critica ferozmente Mário Crespo pela sua suposta falta de imparcialidade numa crónica publicada hoje, em que o jornalista desfia uma série de verdades - e que por acaso até está reproduzida aqui abaixo.

Mas, nessa réplica, Fernanda Câncio, que não faz declaração de interesse (talvez por a achar supérflua) para tal defesa da honra, nem possui, que se saiba, cargo directivo ou sequer cartão do PS, consegue ser bem mais parcial do que aquele que critica, o que não deixa de ser assinalável.

Neste universo socialista, de e para socialistas e seus protegidos, ficamos de novo a saber que a liberdade de opinião é coisa muito bonita, mas desde que devidamente controlada.

Chapeau!

Mário Crespo, nesta sua feliz ressurreição para o bom jornalismo (que tão de rastos anda nas mãos de Santos Silvas e outros ditadorzinhos de pacotilha), já nos tinha mostrado que a fasquia se encontra muito mais alta agora. Mas este texto é absolutamente sublime. Com a devida vénia, aqui fica:

"Está bem... façamos de conta

Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?). Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.

Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês. Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível. Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu. Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média. Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação. Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo. Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva". Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda). Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport. Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal. Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também. Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus. Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores. Façamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República. Façamos de conta que não há SIS. Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso. Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas. Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja. Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos."